Pesquisa revela brasileiros que amam dois clubes e desafiam tradição
A recente Pesquisa O GLOBO/Ipec-Ipsos sobre torcidas no Brasil apresenta um dado que, à primeira vista, pode causar estranheza: quase 12% dos entrevistados declaram apoiar mais de um clube de futebol. Embora a predominância continue sendo da exclusividade — 58,6% —, a bifiliação aponta para um cenário mais complexo, em especial no Nordeste, onde a paixão por dois times alcança 14,3%. Estes números revelam não só uma evolução no comportamento dos torcedores, mas também um mosaico cultural que desafia a ideia tradicional de fidelidade absoluta a um único clube.
Do ponto de vista técnico-social, a bifiliação surge como consequência natural da história do futebol brasileiro, marcada por desigualdades regionais e pela forte influência midiática dos grandes centros do Sudeste e do Rio de Janeiro. A identificação simultânea com clubes locais, como o ABC, e potências nacionais como o Palmeiras, expressa um sentimento de pertencimento múltiplo. Tal fenômeno reflete também a crescente mobilidade social e geográfica, onde os torcedores mantêm vínculos afetivos com origens e realidades distintas, tornando-se uma síntese das transformações do futebol e da sociedade brasileira na década de 2020.
A repercussão dessa pluralidade afetiva vai além do âmbito privado e alcança dimensões de marketing, cultura e rivalidade. Clubes tradicionais são desafiados a rever sua estratégia de engajamento e relacionamento, já que o torcedor moderno pode estar mais aberto a compartilhar seu coração, como atestam os casos de pessoas que acompanham times concorrentes. Em um contexto onde o futebol vive uma era digital e globalizada, esta dupla paixão, ainda que minoritária, pode ser um indicativo de que o torcedor valoriza experiências e não apenas identidade exclusiva, alterando o paradigma do consumo esportivo.
Por fim, é necessário enxergar com maturidade esse fenômeno, sem desconsiderar a força simbólica da exclusividade, que mantém o espírito da rivalidade viva e acirrada. O coração brasileiro mostra, no entanto, que nem sempre as arquibancadas são exclusivas. A cultura do torcedor está em transformação, e a capacidade de amar em dobro — sem, necessariamente, dividir a essência da paixão — exige dos clubes, da mídia e dos próprios fãs uma postura mais aberta e menos maniqueísta. Com jeitinho baiano, diria que o futebol precisa aprender a dançar conforme o ritmo desse novo tempo.
Fonte: JFE
Post a Comment