Pesquisa revela abismo de gênero na torcida e sugere cenário persistente - TÁ NA ÁREA

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Pesquisa revela abismo de gênero na torcida e sugere cenário persistente

Mesmo sendo a mais proclamada paixão nacional, o futebol brasileiro deixa de fora, em 2025, mais de 42% das mulheres. É o que indica a nova pesquisa O GLOBO/Ipsos-Ipec, revelando um avanço preocupante da parcela da população que se declara sem clube: 32,1% da amostra, frente aos 24% registrados em 2022. Entre elas, destaca-se um perfil reiterado: mulheres mais velhas, de baixa renda e escolaridade, residentes em cidades do interior — como a babá goiana Maria Soledade dos Santos Jesus, cuja rotina entre trabalho, casa e filhos não reserva espaço para o jogo. O fenômeno atinge com intensidade desigual, sendo duas vezes mais frequente entre mulheres do que entre homens (20,7%).

A lógica é estrutural e não apenas estatística. O futebol no Brasil foi moldado como território masculino, um "direito" informalmente garantido aos homens desde a infância. A socialização no esporte — dentro e fora dos campos — reforça o pertencimento simbólico à cultura da bola. O dado bruto, embora alarmante, espelha uma realidade antiga: os estádios foram desenhados sem elas, os clubes formaram-se para eles, e as mídias os celebram. As exceções confirmam a regra: mesmo quando interessadas, mulheres encontram barreiras que vão da falta de tempo ao estranhamento social. Como apontou a pesquisadora Leda Maria da Costa, torcer, para muitas, ainda é um ato de resistência — e não de lazer.

Esse descompasso traz consequências que extrapolam arquibancadas vazias. O futebol, além de produto de massa, é prática cultural e vetor de identidade. Quando exclui metade da população, perde força simbólica e econômica. A ausência feminina no consumo, no debate e na formação de torcidas limita o crescimento do esporte — especialmente no momento em que a Fifa e a CBF miram o público feminino como novo horizonte de mercado. Com a Copa do Mundo Feminina de 2027 no Brasil, existe a expectativa de maior engajamento, mas como ressaltam especialistas da UFES e UERJ, o salto não virá apenas com megaeventos: será preciso capilaridade, incentivo local e política pública que encurte a distância entre a mulher do interior e o clube da capital.

Como jornalista que já transmitiu clássico com chuva de papel picado e narrou jogo de várzea em cima de caminhão de som, não me surpreende a persistência desse abismo. O futebol brasileiro é afeito a narrativas de superação, mas ignora boa parte da população na construção de sua própria história. Sem romper com a exclusão simbólica e logística que afasta mulheres — e sobretudo as mulheres pobres — o futebol seguirá sendo uma festa onde metade dos convidados nem sabe que pode entrar. E, como se diz lá em Feira, é difícil dançar no salão se a banda toca só pra um lado. 

Fonte: JFE

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